quarta-feira, 25 de agosto de 2010

CRIANÇA EM MUNDO DICOTOMIZADO




LEGISLAÇÃO VANGUARDISTA E A MISÉRIA DA EDUCAÇÃO



“Sabe lá o que é não ter e ter que ter para dar!?”
 (Djavan – Esquinas).



“Se você tem uma boa causa, não tema o juiz”. (Pubilius Syrus).



Cotidianamente nos deparamos com milhares de informações e notícias estampadas nos jornais a respeito de situações conflituosas de furtos, violência de toda ordem, abusos de autoridade, envolvimento de adolescentes com drogas e atos infracionais, etc. Exceção à regra é o dia em que abrimos os periódicos ou ligamos a tv e não observamos sensacionalismos, ou não vemos desrespeitos ao direito de imagem do cidadão comum ou propagação de tumultos na periferia. E neste caminho constatamos que existem aqueles que acreditam no retrocesso de uma sociedade mais punitiva, quando deveriam buscar e pugnar por uma sociedade mais participativa e sem práticas de crimes.

O Ordenamento Jurídico Brasileiro é considerado e entendido como um dos mais avançados do mundo no tocante à proteção dos direitos da infância e adolescência. O Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), Lei Federal de No:8.069, de 13 de julho de 1.990 representa um grande avanço para este entendimento, pois estabelece princípios norteadores à concretização dos Direitos Fundamentais de crianças e adolescentes, adotando a doutrina da proteção integral e entendendo criança e adolescente como pessoas em desenvolvimento, que necessitam de proteção diferenciada, especializada e plena, em conformidade com a Constituição Federal Brasileira em seu artigo 227.

Esta proteção integral está supedaneada juridicamente em primeiro plano na Convenção Internacional sobre os Direitos da criança e adolescente de 1989 adotada de forma integral pelo Brasil com ratificação pelo Congresso Nacional em 1990 (Dec. Legislativo 28 de 14/09/1990).

A Família, o Estado e a comunidade / sociedade têm o dever de buscar e assegurar por todos os meios, de maneira plena e com absoluta prioridade a efetivação de todos os direitos: Saúde, educação, liberdade, respeito, dignidade, convivência familiar e comunitária, cultura, lazer, esporte e possibilidades de ascensão profissional, entendendo inclusive nossos Tribunais, que os interesses da criança e do adolescente devem prevalecer sobre qualquer outro interesse, quando seus destinos estiverem em discussão.

Para esta finalidade o Estatuto (ECA) concebeu um Sistema de Garantia de Direitos (SGD) que estabelece uma vasta parceria entre o Poder Público e a Sociedade Civil para criar e perseguir a execução de políticas públicas voltadas para a população infanto – juvenil. Tal Sistema de Garantias e Direitos é composto por: Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e Adolescente; Poder Judiciário – Justiça da Infância e Juventude e Justiça Criminal; Ministério Público; a Defensoria Pública; Advocacia (OAB) e Centros de Defesa da Criança e adolescente; a Segurança Pública e o Conselho Tutelar.

Apesar do reconhecimento no avanço do Ordenamento Jurídico brasileiro, infelizmente ainda observamos claramente um distanciamento entre o Direito e a realidade. Parece irônico, mas, ser vanguardista hoje é buscar vivenciar o básico assegurado. O paradoxo de possuirmos legislação protetora de direitos, que assegura cidadania e uma realidade de violações aos direitos básicos (Ex: A desativação de creches escolares por parte do Poder Público). Eis o desafio: Vivenciar a lei - sem modificá-la - com a melhoria da realidade.

Inconcebível nos dias de hoje: A persistência na educação de índices alarmantes de reprovação, abandono e descompasso da relação série e idade dos alunos do ensino público; a falta de valorização dos professores; o pouco investimento na capacitação e falta de incentivo para uma escola mais democrática e criativa; um número pequeno de magistrados / Varas da infância e juventude; a exigüidade de promotores de justiça voltados na especificidade da criança e adolescente; o pouco aparelhamento técnico e profissional dos conselhos tutelares em todas as comarcas; o distanciamento das universidades não incluindo nas grades curriculares de seus cursos (Ex: Direito, Pedagogia, Jornalismo, Publicidade, etc) disciplina obrigatória sobre o Estatuto da Criança e Adolescente; a intensificação da publicidade focando o incentivo ao consumismo infantil e a “adultice” precoce; a omissão do Estado no combate ao turismo sexual e a inexistência de políticas de cultura, esporte e lazer universais com a correta aplicação do Orçamento Público. Tudo isso corrobora ao distanciamento entre direitos assegurados na Lei e os Direitos concretizados na prática.

Diversas famílias brasileiras padecem de problemas de desestruturação, seja na classe de baixa renda, na classe média ou “alta”, onde a sociedade “globalizada e individualista”, tendo a figura do Poder Público com atuação egocêntrica, obriga aos pais a deixarem a convivência corriqueira familiar em busca da sobrevivência, deixando filhos a mercê do ócio não criativo, sem contato com uma escola de qualidade e a crescerem tendo como paradigmas o condicionamento de “felicidade” das novelas ou do seu grupo “adultescente” do bairro.

Os Conselhos Tutelares poderiam ser grandes pilastras na defesa dos direitos da criança e adolescente, até porque, a eles foram conferidas diversas atribuições de suma importância: Atender aos que tiverem os direitos ameaçados (por ação ou omissão do Estado); atender os casos de omissão ou ação lesiva dos pais ou responsáveis; receber comunicação e averiguar possíveis casos de maus tratos no lar ou na escola; verificar índices de evasão escolar ou de repetência no aproveitamento didático; requerer certidões de nascimento e de óbito de crianças ou adolescentes; determinar matrícula em escolas; orientar pais e responsáveis; manter diálogo com as escolas da região; indicação de abrigamento quando necessário; atender e aconselhar os pais ou responsáveis; fiscalizar; estreitar contatos com o Ministério Público e o Poder Judiciário na apuração de crimes contra infantes; ajudar ao Poder Executivo elaborar dotação orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos das crianças e adolescentes; encaminhar para a autoridade judiciária os casos de sua competência.

Nota-se que o trabalho dos Conselheiros é desafiante e para realizá-lo torna-se indispensável estabelecer e fortalecer alianças com um conjunto de organizações e instituições existentes no município, bem como, estreitar laços participativos na comunidade. Ocorre que, a grande maioria dos Conselhos Tutelares existentes no Brasil encontra-se em situação de diversas dificuldades, obstáculos e desafios para implementação. Constata-se falta de clareza do papel dos conselheiros na comunidade, falta de preparo de vários candidatos, envolvimentos de partidos e vereadores para obtenção de prestígio ao invés de dedicação; carência de cobertura jornalística no cotidiano dos referidos Conselhos; dificuldades no repasse das dotações orçamentárias destinadas para manutenção e funcionamento perfeito dos Conselhos.

Precisamos compreender que a busca permanente pela defesa dos direitos da criança e adolescentes é basilar para a desconstrução de ideias generalizantes de sociedade punitiva e impulsionar processos de melhorias de qualidade das políticas públicas.

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